sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O que pensa o Ministro Celso de Melo sobre a Ficha Limpa

AC 3701 MC / SC - SANTA CATARINA - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CAUTELAR - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 03/09/2014 PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 05/09/2014 PUBLIC 08/09/2014 Partes AUTOR(A/S)(ES) : CLÉSIO SALVARO ADV.(A/S) : MICHEL SALIBA OLIVEIRA E OUTRO(A/S) RÉU(É)(S) : COLIGAÇÃO CRICIÚMA SAUDÁVEL, CIDADE DE TODOS ADV.(A/S) : PAULO FRETTA MOREIRA E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : GABRIELA GUIMARAES PEIXOTO ADV.(A/S) : LUCIANO CHEDE Decisão DECISÃO: O autor busca a outorga de provimento cautelar, em ordem a suspender, provisoriamente, a eficácia de acórdão que, emanado do E. Tribunal Superior Eleitoral, foi objeto de recurso extraordinário que sofreu, no entanto, na origem, juízo negativo de admissibilidade. Registro que, contra esse ato decisório, foi deduzido o pertinente agravo no recurso extraordinário (ARE 765.802/DF, de minha relatoria), ainda em curso de processamento perante esta Suprema Corte. A decisão emanada do E. Tribunal Superior Eleitoral, contra a qual foi deduzido o apelo extremo em questão, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado: “Inelegibilidade. Condenação por abuso do poder econômico e de autoridade. 1. Não há litisconsórcio passivo necessário entre candidatos a prefeito e vice-prefeito em processos de registro de candidatura. 2. Ainda que se trate de condenação transitada em julgado, em representação por abuso do poder econômico ou político referente a eleição anterior à vigência da Lei Complementar nº 135/2010, incide a inelegibilidade prevista na alínea ‘d’ do inciso l do art. 10 da Lei Complementar nº 64/90, cujo prazo passou a ser de oito anos. 3. Configurado o fato objetivo estabelecido na respectiva norma, qual seja, a procedência de representação, com decisão colegiada ou transitada em julgado, por abuso do poder econômico ou político, e estando ainda em vigor o novo prazo de inelegibilidade, pouco importa o decurso de tempo de inelegibilidade anteriormente fixado por norma já modificada ou pela própria decisão. 4. Não há direito adquirido a regime de elegibilidade, nem se pode cogitar de ofensa a ato jurídico perfeito ou à coisa julgada, pois as condições de elegibilidade, assim como as causas de inelegibilidade, devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura. Agravos regimentais não providos.” (Recurso Especial Eleitoral nº 197-30.2012.6.24.0010- -AgR/SC, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI – grifei) Aduz, a parte autora, em síntese, para justificar a pretensão cautelar deduzida na presente sede processual, o que se segue: “O e. Tribunal Superior Eleitoral resolveu aplicar ao autor a inelegibilidade prevista na alínea ‘d’ do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010, ao argumento de que o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs 29 e 30 e ADIN 4578 permitiu a retroatividade máxima da Lei Complementar nº 135 de 2010. Assim, o v. acórdão aumentou o prazo da sanção de inelegibilidade expressamente aplicada em três anos pela decisão condenatória (já transitada em julgado) para oito anos, em virtude da aplicação da Lei Complementar nº 135 de 2010 para as eleições de 2012. Ou seja, no caso em tela, ao ser julgado o registro do ora requerente perante o e. TSE, foi-lhe exasperada a sanção anteriormente aplicada e já evidentemente cumprida, onde o anterior prazo de da inelegibilidade era de 3 (três) anos e a ele foi conferido o prazo de 8 (oito) anos, que consta na alteração efetuada pela LC 135/2010. Tal posição viola diretamente princípios constitucionais, especialmente o da segurança jurídica (artigo 5º, ‘caput’, da CF), da irretroatividade da lei que agrava sanção (artigo 5º, inciso XL da CF) e, sobretudo, do respeito à coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da CF). Não se nega a declaração de constitucionalidade da LC nº 135/2010 emanada pelo col. Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs nº 29 e 40 e ADI nº 4578. Todavia, a situação dos autos, aparentemente, não foi abarcada nesse julgamento e merece uma consideração especial desta Corte maior. Exatamente por isto, em 20 de maio de 2014, a Segunda turma deste c. STF, resolvendo questão de ordem suscitada pelo em. Ministro Gilmar Mendes, decidiu por submeter ao Pleno o ARE nº 790.774, da rel. do Min. Ricardo Lewandowski, para examinar controvérsia idêntica a dos presentes autos: legitimidade da aplicação retroativa da regra inscrita no art. 1º, I, ‘d’, da LC nº 64.90, na redação dada pela LC 135/2010. Com efeito, busca-se que seja dada uma interpretação conforme à alínea ‘d’ do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90 aos casos em que há o trânsito em julgado do acórdão condenatório e o cumprimento definitivo da sanção nele estabelecida.” (grifei) Busca-se, desse modo, a concessão de provimento cautelar para “(...) determinar a diplomação do requerente no cargo de Prefeito do Município de Criciúma-SC, a fim de que o mesmo tome posse imediata como Prefeito Municipal, até o exame do mérito do ARE nº 765.802” (grifei). Sendo esse o contexto, passo ao exame do pleito cautelar. E, ao fazê-lo, assinalo que a concessão de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte autora, quer se busque a outorga de efeito suspensivo ao apelo extremo, quer se pretenda a sustação da eficácia do acórdão impugnado, supõe, para legitimar-se, a conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo); (b) que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição; (c) que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica; e (d) que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do “periculum in mora” (RTJ 174/437-438, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Não custa rememorar, no ponto, que a instauração da jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal pressupõe, necessariamente, e no que se refere à concessão de efeito suspensivo, a existência de juízo positivo de admissibilidade do apelo extremo, proferido pela Presidência do Tribunal “a quo” ou resultante do provimento do recurso de agravo (RTJ 191/123-124 – Pet 2.503/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Assentadas tais premissas, cabe verificar, agora, se se revela cabível, ou não, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelo autor. Entendo que não, eis que os fundamentos em que se apoia o pedido formulado pela parte requerente parecem descaracterizar, ao menos em análise compatível com os estritos limites deste procedimento de natureza cautelar, a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual. Com efeito, o entendimento adotado pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, e não obstante a minha posição pessoal em sentido contrário na matéria, revela-se em estrita conformidade com as decisões proferidas por esta Suprema Corte no julgamento conjunto da ADC 29/DF e da ADC 30/DF e, também, da ADI 4.578/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, como se verifica da ementa consubstanciadora de tais julgados, a seguir reproduzida: “AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOSELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula ‘rebus sic stantibus’) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 5. O direito político passivo (‘ius honorum’) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, ‘in casu’, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido ‘munus’ publico. 7. O exercício do ‘ius honorum’ (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal. 10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé. 11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (‘ius honorum’), mas também ao direito de voto (‘ius sufragii’). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. 12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado. 13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas ‘c’, ‘d’, ‘f’, ‘g’, ‘h’, ‘j’, ‘m’, ‘n’, ‘o’, ‘p’ e ‘q’ do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes (repercussão geral).” (ADC 29/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei) Cumpre ressaltar, por relevante, no que concerne ao fundamento do recurso extraordinário deduzido por Clésio Salvaro, que a legitimidade constitucional da aplicação retroativa da regra inscrita no art. 1º , inciso I, alínea “d”, da LC nº 64/90, na redação dada pela LC nº 135/2010, vem sendo reconhecida em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito do E. Tribunal Superior Eleitoral, que está sujeito à eficácia vinculante das decisões plenárias que o Supremo Tribunal Federal proferir em sede de controle normativo abstrato (REspe 11.540-ED/ES, Rel. Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI – REspe 19.730-AgR/SC, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES – REspe 26.915-AgR/MG, Rel. Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI – RO 13.647-AgR/MT, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, v.g.): “ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. CONDENAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA ‘j’ DO INCISO I DO ART. 1º DA LC N° 64/90. APLICAÇÃO. LC N° 135/2010.FATOS ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA. MANUTENÇÃO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO. RECURSO DESPROVIDO. 1. No julgamento das ADCs nºs 29 e 30 e da ADI nº 4578, o STF assentou que a aplicação das causas de inelegibilidade instituídas ou alteradas pela LC nº 135/2010, com a consideração de fatos anteriores à sua vigência, não viola a Constituição Federal. 2. A condenação por abuso do poder econômico e pela prática de captação ilícita de sufrágio ocorrida no pleito de 2008 atrai a inelegibilidade de 8 (oito) anos prevista na alínea ‘j’ do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, com a redação da LC nº135/2010, alcançando as eleições de 2012. 3.Recurso especial desprovido.” (REspe 310-35.2012.6.19.0038/RJ, Red. p/ o acórdão Min. DIAS TOFFOLI – grifei) Cabe observar, por oportuno, que também o Supremo Tribunal Federal está sujeito à estrita observância do efeito vinculante que resulta de seus próprios julgamentos proferidos no âmbito dos processos objetivos de fiscalização concentrada de constitucionalidade, ainda que se revele lícita a possibilidade, sempre excepcional, de revisão de tais decisões, como acentua o magistério doutrinário (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p.n140, 2ª ed., 2000, RT; GILMAR FERREIRA MENDES, “Jurisdição Constitucional”, p. 412/414, item n. 3, 6ª ed., 2014, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 2.234, 8ª ed., 2011, Atlas, v.g.), valendo destacar, quanto a essa matéria, a precisa lição de LUÍS ROBERTO BARROSO (“O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 227/228, item n. 5.2, 6ª ed., 2012, Saraiva): “A declaração de inconstitucionalidade opera efeito sobre a própria lei ou ato normativo, que já não mais poderá ser validamente aplicada. Mas, no caso de improcedência do pedido, nada mais ocorre com a lei em si. As situações, portanto, são diversas e comportam tratamento diverso. Parece totalmente inapropriado que se impeça o Supremo Tribunal Federal de reapreciar a constitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudanças formais ou informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção da lei. Portanto, o melhor entendimento na matéria é o de que podem os legitimados do art. 103 propor ação tendo por objetivo a mesma lei e pode a Corte reapreciar a matéria. O que equivale a dizer que, no caso de improcedência do pedido, a decisão proferida não se reveste da autoridade da coisa julgada material.” (grifei) Impende acentuar, de outro lado, que esta Suprema Corte não têm conhecido de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral consubstanciadores de julgamentos, monocráticos e colegiados, que apreciaram controvérsia jurídica idêntica à veiculada no ARE 765.802/DF, deduzido pelo autor da presente ação cautelar inominada. Com efeito, em tais decisões – que versaram discussão em torno da aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010, notadamente da questão pertinente à autoridade da coisa julgada e da projeção desse mesmo diploma legislativo sobre fatos pretéritos –, o Supremo Tribunal Federal tem formulado juízo de inadmissibilidade daqueles recursos extraordinários, pelo fato de esta Corte reconhecer que se registra, em tal situação, hipótese configuradora de ofensa reflexa ou indireta ao texto da Constituição, por tratar-se de contencioso de mera legalidade, eis que o tema da coisa julgada traduz matéria que se situa no plano infraconstitucional (AI 608.960/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 744.948/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – AI 761.324-AgR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 844.668/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ARE 654.894/MG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ARE 659.130/CE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ARE 660.993/CE, Rel. Min. LUIZ FUX – ARE 664.469/RO, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ARE 685.520/RJ, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ARE 701.363- -AgR/MA, Rel. Min. LUIZ FUX – ARE 728.190/CE, Rel. Min. GILMAR MENDES – ARE 759.006/SC, Rel. Min. GILMAR MENDES – ARE 778.161/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – ARE 783.732-AgR/MG, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – ARE 785.069/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 643.362/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.): “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ELEITORAL. APLICABILIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 A FATOS ANTERIORES. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELO PLENÁRIO DA SUPREMA CORTE NO JULGAMENTO DA ADI Nº 4.578. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS PARA REGISTRO DE CANDIDATURA. QUESTÃO QUE DEMANDA ANÁLISE DE DISPOSITIVOS DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. 1. A aplicação da Lei Complementar nº 135/2010 a fatos anteriores não fere o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 2. O preenchimento dos requisitos para fins de registro de candidatura, quando ‘sub judice’ a controvérsia, encerra análise de normas infraconstitucionais. Precedente: ARE 561.902- -AgR/MA, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 23/2/2011.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Je ne suis pas Charlie pelo jornalista Rafo Saldanha

"Je ne suis pas Charlie Em primeiro lugar, eu condeno os atentados do dia do 7 de janeiro. Apesar de muitas vezes xingar e esbravejar no meio de discussões, sou um cara pacífico. A última vez que me envolvi em uma briga foi aos 13 anos (e apanhei feito um bicho). Não acho que a violência seja a melhor solução para nada. Um dos meus lemas é a frase de John Donne: “A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte da humanidade; eis porque nunca me pergunto por quem dobramos sinos: é por mim”. Não acho que nenhum dos cartunistas “mereceu” levar um tiro. Ninguém merece. A morte é a sentença final, não permite que o sujeito evolua, mude. Em momento nenhum, eu quis que os cartunistas da Charlie Hebdo morressem. Mas eu queria que eles evoluíssem, que mudassem. Após o atentado, milhares de pessoas se levantaram no mundo todo para protestar contra os atentados. Eu também fiquei assustado, e comovido, com isso tudo. Na internet, surgiu o refrão para essas manifestações: Je Suis Charlie. E aí a coisa começou a me incomodar. A Charlie Hebdo é uma revista importante na França, fundada em 1970 e identificada com a esquerda pós-68. Não vou falar de toda a trajetória do semanário. Basta dizer que é mais ou menos o que foi o nosso Pasquim. Isso lá na França. 90% do mundo (eu inclusive) só foi conhecer a Charlie Hebdo em 2006, e já de uma forma bastante negativa: a revista republicou as charges do jornal dinamarquês Jyllands-Posten (identificado como “Liberal-Conservador”, ou seja, a direita européia). E porque fez isso? Oficialmente, em nome da “Liberdade de Expressão”, mas tem mais… O editor da revista na época era Philippe Val. O mesmo que escreveu um texto em 2000 chamando os palestinos (sim! O povo todo) de “não-civilizados” (o que gerou críticas da colega de revista Mona Chollet – críticas que foram resolvidas com a saída dela). Ele ficou no comando até 2009, quando foi substituído por Stéphane Charbonnier, conhecido só como Charb. Foi sob o comando dele que a revista intensificou suas charges relacionadas ao Islã – ainda mais após o atentado que a revista sofreu em 2011. Uma pausa para o contexto. A França tem 6,2 milhões de muçulmanos. São, na maioria, imigrantes das ex-colônias francesas. Esses muçulmanos não estão inseridos igualmente na sociedade francesa. A grande maioria é pobre, legada à condição de “cidadão de segunda classe”. Após os atentados do World Trade Center, a situação piorou. Já ouvi de pessoas que saíram de um restaurante “com medo de atentado” só porque um árabe entrou. Lembro de ter lido uma pesquisa feita há alguns anos (desculpem, não consegui achar a fonte) em que 20 currículos iguais eram distribuídos por empresas francesas. Eles eram praticamente iguais. A única diferença era o nome dos candidatos. Dez eram de homens com sobrenomes franceses, ou outros dez eram de homens com sobrenomes árabes. O currículo do francês teve mais que o dobro de contatos positivos do que os do candidato árabe. Isso foi há alguns anos. Antes da Frente Nacional, partido de ultra-direita de Marine Le Pen, conquistar 24 cadeiras no parlamento europeu… De volta à Charlie Hebdo: Ontém vi Ziraldo chamando os cartunistas mortos de “heróis”. O Diário do Centro do Mundo (DCM) os chamou de“gigantes do humor politicamente incorreto”. No Twitter, muitos chamaram de “mártires da liberdade de expressão”. Vou colocar na conta do momento, da emoção. As charges polêmicas do Charlie Hebdo são de péssimo gosto, mas isso não está em questão. O fato é que elas são perigosas, criminosas até, por dois motivos. O primeiro é a intolerância. Na religião muçulmana, há um princípio que diz que o profeta Maomé não pode ser retratado, de forma alguma. (Isso gera situações interessantes, como o filme A Mensagem – Ar Risalah, de 1976 – que conta a história do profeta sem desrespeitar esse dogma – as soluções encontradas são geniais!). Esse é um preceito central da crença Islâmica, e desrespeitar isso desrespeita todos os muçulmanos. Fazendo um paralelo, é como se um pastor evangélico chutasse a estátua de Nossa Senhora para atacar os católicos. O Charlie Hebdo publicou a seguinte charge: Qual é o objetivo disso? O próprio Charb falou: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo”. Ok, o catolicismo foi banalizado. Mas isso aconteceu de dentro pra fora. Não nos foi imposto externamente. Note que ele não está falando em atacar alguns indivíduos radicais, alguns pontos específicos da doutrina islâmica, ou o fanatismo religioso. O alvo é o Islã, por si só. Há décadas os culturalistas já falavam da tentativa de impor os valores ocidentais ao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre é um ato imperialista. Na época das primeiras publicações, diversas associações islâmicas se sentiram ofendidas e decidiram processar a revista. Os tribunais franceses – famosos há mais de um século pela xenofobia e intolerâmcia (ver Caso Dreyfus) – deram ganho de causa para a revista. Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraçou esse incentivo e intensificou as charges e textos contra o Islã. Mas existe outro problema, ainda mais grave. A maneira como o jornal retratava os muçulmanos era sempre ofensiva. Os adeptos do Islã sempre estavam caracterizados por suas roupas típicas, e sempre portando armas ou fazendo alusões à violência (quantos trocadilhos com “matar” e “explodir”…). Alguns argumentam que o alvo era somente “os indivíduos radicais”, mas a partir do momento que somente esses indivíduos são mostrados, cria-se uma generalização. Nem sempre existe um signo claro que indique que aquele muçulmano é um desviante, já que na maioria dos casos é só o desviante que aparece. É como se fizéssemos no Brasil uma charge de um negro assaltante e disséssemos que ela não critica/estereotipa os negros, somente aqueles negros que assaltam… E aí colocamos esse tipo de mensagem na sociedade francesa, com seus 10% de muçulmanos já marginalizados. O poeta satírico francês Jean de Santeul cunhou a frase: “Castigat ridendo mores” (costumes são corrigidos rindo-se deles). A piada tem esse poder. Se a piada é preconceituosa, ela transmite o preconceito. Se ela sempre retrata o árabe como terrorista, as pessoas começam a acreditar que todo árabe é terrorista. Se esse árabe terrorista dos quadrinhos se veste exatamente da mesma forma que seu vizinho muçulmano, a relação de identificação-projeção é criada mesmo que inconscientemente. Os quadrinhos, capas e textos da Charlie Hebdo promoviam a Islamofobia. Como toda população marginalizada, os muçulmanos franceses são alvo de ataques de grupos de extrema-direita. Esses ataques matam pessoas. Falar que “Com uma caneta eu não degolo ninguém”, como disse Charb, é hipócrita. Com uma caneta se prega o ódio que mata pessoas. No artigo do Diário do Centro do Mundo, Paulo Nogueira diz: “Existem dois tipos de humor politicamente incorreto. Um é destemido, porque enfrenta perigos reais. O outro é covarde, porque pisa nos fracos. Os cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo pertenciam ao primeiro grupo. Humoristas como Danilo Gentili e derivados estão no segundo.” Errado. Bater na população islâmica da França é covarde. É bater no mais fraco. Uma das defesas comuns ao estilo do Charlie Hebdo é dizer que eles também criticavam católicos e judeus. Isso me lembra o já citado gênio do humor (sqn) Danilo Gentilli, que dizia ser alvo de racismo ao ser chamado de Palmito (por ser alto e branco). Isso é canalha. Em nossa sociedade, ser alto e branco não é visto como ofensa, pelo contrário. E – mesmo que isso fosse racismo – isso não daria direito a ele de ser racista com os outros. O fato do Charlie Hebdo desrespeitar outras religiões não é atenuante, é agravante. Se as outras religiões não reagiram a ofensa, isso é um problema delas. Ninguém é obrigado a ser ofendido calado. “Mas isso é motivo para matarem os caras!?”. Não. Claro que não. Ninguém em sã consciência apoia os atentados. Os três atiradores representam o que há de pior na humanidade: gente incapaz de dialogar. Mas é fato que o atentado poderia ter sido evitado. Bastava que a justiça francesa tivesse punido a Charlie Hebdo no primeiro excesso. Traçasse uma linha dizendo: “Desse ponto vocês não devem passar”. “Mas isso é censura”, alguém argumentará. E eu direi, sim, é censura. Um dos significados da palavra “Censura” é repreender. A censura já existe. Quando se decide que você não pode sair simplesmente inventando histórias caluniosas sobre outra pessoa, isso é censura. Quando se diz que determinados discursos fomentam o ódio e por isso devem ser evitados – como o racismo ou a homofobia – isso é censura. Ou mesmo situações mais banais: quando dizem que você não pode usar determinado personagem porque ele é propriedade de outra pessoa, isso também é censura. Nem toda censura é ruim. Por coincidência, um dos assuntos mais comentados do dia 6 de janeiro – véspera dos atentados – foi a declaração do comediante Renato Aragão à revista Playboy. Ao falar das piadas preconceituosas dos anos 70 e 80, Didi disse: “Mas, naquela época, essas classes dos feios, dos negros e dos homossexuais, elas não se ofendiam.”. Errado. Muitos se ofendiam. Eles só não tinham meios de manifestar o descontentamento. Naquela época, tão cheia de censuras absurdas, essa seria uma censura positiva. Se alguém tivesse dado esse toque nOs Trapalhões lá atrás, talvez não teríamos a minha geração achando normal fazer piada com negros e gays. Perderíamos algumas risadas? Talvez (duvido, os caras não precisavam disso para serem engraçados). Mas se esse fosse o preço para se ter uma sociedade menos racista e homofóbica, eu escolheria sem dó. Renato Aragão parece ter entendido isso. Deixo claro que não estou defendendo a censura prévia, sempre burra. Não estou dizendo que deveria ter uma lista de palavras/situações que deveriam ser banidas do humor. Estou dizendo que cada caso deveria ser julgado. Excessos devem ser punidos. Não é “Não fale”. É “Fale, mas aguente as consequências”. E é melhor que as consequências venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis. Voltando à França, hoje temos um país de luto. Porém, alguns urubus são mais espertos do que outros, e já começamos a ver no que o atentado vai dar. Em discurso, Marine Le Pen declarou: “a nação foi atacada, a nossa cultura, o nosso modo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada” (grifo meu). Essa fala mostra exatamente as raízes da islamofobia. Para os setores nacionalistas franceses (de direita, centro ou esquerda), é inadmissível que 10% da população do país não tenha interesse em seguir “o modo de vida francês”. Essa colônia, que não se mistura, que não abandona sua identidade, é extremamente incômoda. Contra isso, todo tipo de medida é tomada. Desde leis que proíbem imigrantes de expressar sua religião até… charges ridicularizando o estilo de vida dos muçulmanos! Muitos chargistas do mundo todo desenharam armas feitas com canetas para homenagear as vítimas. De longe, a homenagem parece válida. Quando chegam as notícias de que locais de culto islâmico na França foram atacados – um deles com granadas! – nessa madrugada, a coisa perde um pouco a beleza. É a resposta ao discurso de Le Pen, que pedia para a França declarar “guerra ao fundamentalismo” (mas que nos ouvidos dos xenófobos ecoa como “guerra aos muçulmanos” – e ela sabe disso). Por isso tudo, apesar de lamentar e repudiar o ato bárbaro de ontem, eu não sou Charlie. No twitter, um movimento – muito menor do que o #JeSuisCharlie – começa a surgir. Ele fala do policial, muçulmano, que morreu defendendo a “liberdade de expressão” para os cartunistas do Charlie Hebdo ofenderem-no. Ele representa a enorme maioria da comunidade islâmica, que mesmo sofrendo ataques dos cartunistas franceses, mesmo sofrendo o ódio diário dos xenófobos e islamófobos, repudiaram o ataque. Je ne suis pas Charlie. Je suis Ahmed." Postado por El Rafo Saldaña às 09:20 Fonte : emtomdemimi.blogspot.com.br/2015/01 je-ne-suis-pas-charlie.html

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Chacina à revista Charlie Hebdo

Os assassinatos ocorridos à revista Charlie Hebdo, não guardam relação com os Princípios Islâmicos, dentre eles, o respeito à vida, um bem precioso, dado por Deus e a paz, uma das palavras que finalizam a oração muçulmana. O atentado praticado que provocou pelo menos 12 mortos, se trata de um ato bárbaro, devendo os assassinos responderem perante a Justiça Francesa. O ato criminoso corresponde a um fato isolado, assim como outros, advindos de posições extremadas, longe dos fundamentos da crença e fé islâmica. A luta contra o terrorismo é uma luta de toda a humanidade,seja em países islâmicos ou não. O mundo está passando por um processo de amadurecimento das diferenças, resistências devem ocorrer, mas deverão ser superadas para a defesa de uma sociedade mais humana. A França possui cerca de 6 milhões de muçulmanos e, neste momento delicado, alguns conservadores se aproveitar para trazer a polêmica sobre à identidade nacional francesa. Sou muçulmano a cerca de 20 anos e acredito no Governo Francês, que levará à justiça os verdadeiros culpados pelos assassinatos da morte brutal dos jornalistas.