RECURSO
ELEITORAL N. 197-30.2012.6.24.0010 – Classe 30
ASSUNTO: RECURSO
ELEITORAL – REGISTRO DE
CANDIDATURA –
RRC – CANDIDATO –
IMPUGNAÇÃO AO
REGISTRO DE
CANDIDATURA –
CARGO – PREFEITO –
MAJORITÁRIA –
RECURSO NOS AUTOS DO
Rcand N.
197-30.2012.6.24.0010 DA 10ª ZONA
ELEITORAL –
CRICIÚMA
RECORRENTE:
CLÉSIO SALVARO
RECORRIDO:
COLIGAÇÃO CRICIÚMA SAUDÁVEL, CIDADE
DE TODOS
(PRB/PT/PTB/PMDB/PSL/PTN/DEM/
PC do B)
MM. Juiz
Relator.
Trata-se de
recurso interposto por Clésio Salvaro em face da sentença do Juízo da 10ª
Zona/Criciúma que, nos autos do requerimento de registro de candidatura a
Prefeito em epígrafe, acolheu a impugnação oferecida pela Coligação recorrida,
indeferindo o registro em questão, uma vez que o
recorrente foi
considerado inelegível, já que foi condenado pela prática de abuso de poder
econômico pelo TRE/SC, decisão que já transitou em julgado, restando assim
incurso no art. 1º, I, “d” da Lei Complementar – LC n. 64/1990. Irresignado,
invocou decadência e impossibilidade de
repristinação,
sustentando não ser aplicável , no caso concreto do pretenso
candidato
apelado, a LC n. 135/2010, razão por que pugnou pelo provimento do recurso para
que fosse deferido o respectivo registro de candidatura e, caso não provido,
pela aplicação do art. 26-C da referida LC.
Em sede de
contrarrazões, a Coligação apelada pugnou pelo
desprovimento do
recurso.
Remetidos os
autos a esse e. TRE e promovida a distribuição da relatoria, foi dada vista à
Procuradoria Regional Eleitoral.
É o relatório. Passa-se à
manifestação.
Presentes os pressupostos de
admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Quanto à decadência invocada pelo
pretenso candidato recorrido, tem-se que este afirma que o Vice-Prefeito é
litisconsorte necessário de seu registro, por integrar a respectiva chapa
majoritária, sendo o fato de não ter
sido impugnado em conjunto com
este implicaria decadência, tem-se que esta não comporta provimento.
Com efeito,
diferentemente da ação de abuso de poder, em matéria de registro o
Vice-Prefeito da chapa do pretenso candidato a Prefeito não
é litisconsorte
passivo necessário, uma vez que a impugnação é relativa a fatos que ensejam a
inelegibilidade apenas do apontado pretenso candidato a Prefeito ora
recorrente, o que torna mesmo aquele candidato a Vice-Prefeito parte ilegítima
para constar no pólo passivo da citada impugnação, em especial pelo caráter
pessoal e em sentido estrito do instituto da inelegibilidade, a qual deve ser invocada,
em sede de registro de candidatura, apenas em relação ao candidato impugnado,
qual seja, o ora apelante. Isso possibilita, por exemplo, a recomposição da
chapa com a substituição do candidato impugnado, na forma do art. 17 da LC
n.64/90, sem prejuízo da manutenção do candidato que não apresenta deficiências
de elegibilidade. De outro modo, seria estender automaticamente inelegibilidade
a quem não a detém, contrariando a interpretação em sentido estrito dessa
restrição de direitos políticos.
Bem por isso dispõe o art. 46 da
Res. TSE n. 23.372/2011:
A declaração de inelegibilidade do
candidato a Prefeito não atingirá o candidato a Vice-Prefeito, assim como a
deste não atingirá aquele; reconhecida por sentença a inelegibilidade, e
sobrevindo recurso, a validade dos votos atribuídos à chapa que esteja sub
judice no dia da eleição fica condicionada ao deferimento do respectivo registro
(LC nº64/90, art. 18).
Nesse sentido, de modo uníssono,
o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, consubstanciado no seguinte
precedente:
Registro de candidatura. Impugnação.
Rejeição de contas. Convênio.
1. Este Tribunal já assentou que, na
fase do registro de candidatura, não há falar em litisconsórcio passivo
necessário entre candidatos a Prefeito e vice-Prefeito.
2. A ratificação do recurso especial
após o julgamento de embargos de declaração é desnecessária quando esses
embargos forem opostos por parte diversa, ainda que figure no mesmo polo da
relação processual.
3. A aplicação de verbas federais
repassadas ao município em desacordo com o convênio configura irregularidade
insanável.
4. Mesmo constatada eventual
impossibilidade de cumprimento do objeto do convênio, cabe ao administrador
público proceder à devolução dos recursos, e não efetuar a sua aplicação em
objeto diverso.
Recursos especiais providos.
Assim, a
decadência em questão deve ser afastada. Quanto aos demais aspectos
propriamente ditos, deve ser assentado que o apelante pleiteia seu registro
como candidato a Prefeito em Criciúma pela Coligação ‘Por Amor a Cricúma’
(PP/PSDB). Ocorre que o respectivo registro de candidatura foi
impugnado pela
Coligação apelada em decorrência do enquadramento do
apelante no art.
1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, o que foi acatado pelo Juízo Eleitoral,
julgando-se indeferido o registro em apreço. Com efeito, dispõe o dispositivo
legal de regência (grifou-se):
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: [...]
d) os que tenham contra sua pessoa
representação julgada
procedente pela Justiça Eleitoral, em
decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão
colegiado, em processo de
apuração de abuso do poder econômico ou
político, para a eleição
na qual concorrem ou tenham sido
diplomados, bem como para as
que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes;
No caso do
pretenso candidato a Prefeito apelante, este foi condenado por esta Corte
Regional Eleitoral em decorrência de ter praticado abuso de poder econômico e
de autoridade nas eleições municipais de 2008, nos
seguintes
termos:
ELEIÇÕES 2008 - RECURSO - INVESTIGAÇÃO
JUDICIAL ELEITORAL - ABUSO DO PODER ECONÔMICO E DE AUTORIDADE - USO INDEVIDO
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - PEDIDO DE DESISTÊNCIA - MATÉRIA DE ORDEM
PÚBLICA - INDEFERIMENTO - PEDIDO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS - POSSIBILIDADE
- EXISTÊNCIA DE POTENCIALIDADE -
Recurso Especial
Eleitoral – RESPE n. 36974 – TSE, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite
Soares,
publicado no Diário de Justiça
Eletrônico de 6.08.2010, p. 51 – grifou-se.
ABRANGÊNCIA E INTENSIDADE DO ILÍCITO -
DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE IMPOSSIBILIDADE
DE CASSAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA EM FACE DA OCORRÊNCIA DAS ELEIÇÕES -
PROVIMENTO
PARCIAL.
1. É inadmissível a desistência quando a
matéria tratada for de ordem pública, podendo o Ministério Público, a despeito
do pedido de desistência da recorrente, requerer o prosseguimento do feito, com
a análise do mérito. Precedentes.
2. Defere-se, após ouvida a parte ex
adversa, a juntada de documento
novo, proveniente de fato ocorrido após
a sentença, cujo conteúdo complementa o quadro probatório sobre matéria já
discutida.
3. "Em sede de ação de investigação
judicial eleitoral não é
necessário atribuir ao réu a prática de
uma conduta ilegal, sendo suficiente, para a procedência da ação, o mero
benefício eleitoral angariado com o ato abusivo, assim como a demonstração da provável
influência do ilícito no resultado do pleito" (Precedente: TSE. Ac. n.
1.350, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 20.4.2007). Nesse sentido, provas
materiais que demonstram de forma inequívoca a utilização indevida de meios de
comunicação social e abuso de poder econômico, consistente num conjunto de atividades
orientadas à captação de votos, com o intuito de privilegiar candidatura futura
e desequilibrar as eleições, sujeitam o infrator às sanções próprias. 4. Proclamados
os resultados das eleições e diplomados os candidatos recorridos,
cabível a declaração de inelegibilidade ao infrator.
O acórdão acima
transcrito transitou em julgado em 7.04.2009, conforme consta no Sistema de
Acompanhamento de Documentos e Processos – SADP desta Corte Regional Eleitoral.
Assim, verifica-se que o pretenso candidato a Prefeito apelante foi condenado
por abuso de poder econômico efetuado no pleito municipal de 2008, pelo que
restou incurso na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “d”, da LC n.
64/1990, a qual perdura “para a eleição na qual” concorreu (no caso,
2004), e para as (eleições) que “se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”
(vale dizer,
todas as eleições que se realizarem desde 2009 até 2016, inclusive a eleição
municipal vindoura e até o próximo pleito após esta), conforme muito bem
decidiu o respectivo Juízo Eleitoral.
Definido o fato
e o enquadramento que ensejaram a inelegibilidade do apelante, impõe-se seja
esclarecido que o Supremo Tribunal Federal – STF já decidiu que a LC n.
135/2010, denominada ‘Lei da Ficha Limpa’, que instituiu novas
hipóteses de inelegibilidades na LC n. 64/1990 (dentre
estas a acima
assinalada, na qual foi enquadrado o recorrente) é constitucional, nos
seguintes
termos:
EMENTA: CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº
135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À
IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO
REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE
DA
EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS
HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE.
PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À
REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA
APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO:
FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO
INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE
DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E
AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a
adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal
complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei
Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser
capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê
de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada
(que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus)
anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a
mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A
razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público
eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o
exercício do mandato (art. 14, § 9º),
resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um
colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da
rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício
de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de
inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser
reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga
a uma redução teleológica, que
reaproxime o enunciado normativo da sua
própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação
criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas
não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art.
14, § 9º, da Constituição
Federal.
4. (...).
5. O direito político passivo (ius
honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in
casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à
exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de
reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos
de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O
princípio da
proporcionalidade resta prestigiado pela
Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores
a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e
(iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público
eletivo que não superam os benefícios socialmente desejados em termos de
moralidade e probidade para o exercício de referido múnus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em
um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar
nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da
atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também
não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece
restrições temporárias
aos direitos políticos passivos, sem
prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável
impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente
eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante
do art. 14, §
9.º, da Constituição Federal.
10. (...).
11. A inelegibilidade tem as suas
causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se
traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo
de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e
não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos,
cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que
importa restrição não apenas ao direito de
concorrer a cargos eletivos (ius
honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa
razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a
suspensão de direitos políticos.
12. (...).
13. Ação direta de inconstitucionalidade
cujo pedido se julga
improcedente. Ações declaratórias de
constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração
de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas
alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”,
“n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90,
introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte
mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a
subtração, do prazo de (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao
cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e
o seu trânsito em julgado.
Estabelecidas as
premissas alinhavadas pelo STF sobre a questão ora sob julgamento,
transcreve-se, a propósito e especificamente, o seguinte precedente desta Corte
Regional Eleitoral no mesmo sentido:
RECURSO ELEITORAL - RESTABELECIMENTO DE
DIREITOS POLÍTICOS - CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO - CRIME CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CP, ART. 312) -
INELEGIBILIDADE (LEI COMPLEMENTAR N.
64/90, ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA "E") - PEDIDO DE REABILITAÇÃO CRIMINAL
- IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE INELEGIBILIDADE - LEI COMPLEMENTAR N. 135/2010 - CONSTITUCIONALIDADE
ASSENTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - DECISÃO MANTIDA - DESPROVIMENTO.
Dito isso,
passa-se à análise do recurso propriamente dito. Vejamos. O pretenso candidato
a Prefeito recorrente afirma não ser possível a repristinação, uma vez que
sobreveio decisão do respectivo Juízo da Zona Eleitoral de origem
restabelecendo sua elegibilidade, ante o transcurso do
prazo de três
anos de inelegibilidade, anteriormente previsto na legislação
eleitoral de
regência, que lhe foi aplicado em decorrência do abuso de poder econômico por
este praticado nas eleições municipais de 2008; após, afirma que a LC n.
135/2010, apesar de ter sido julgada constitucional pelo STF, conforme acima
visto, não pode ser aplicada em face do caso concreto ora sob julgamento, citando
precedentes das Cortes Superiores para amparar sua tese, que se amparam,
inclusive, no princípio da irretroatividade; pontualmente, faz distinção entre
inelegibilidade inata e cominada, invocando os princípios da coisa julgada, direito
adquirido e segurança jurídica, além de alegar colidência com os princípios das
cláusulas pétreas e da tipicidade, e afirmar que os efeitos da inelegibilidade
prevista nos termos do art. 22 da LC n. 64/1990 são previstos para o futuro,
pelo que não poderiam, por tal fundamento, retroagirem para casos passados. Em
face de tais alegações, em primeiro lugar, cabe esclarecer que o princípio da
irretroatividade da norma penal, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição da
República, além do princípio da segurança jurídica, os
quais foram
mencionados pelo pretenso candidato recorrido para afirmar que não poderia
sofrer restrição de seus direitos por fato que, à época, lhe definiu três anos
de inelegibilidade, não merecem prosperar. Com efeito, o princípio da
irretroatividade em questão é aplicado no âmbito penal em sentido estrito; vale
dizer: eventual aumento das sanções relativas ao crime praticado pelo pretenso
candidato apelante, por exemplo, não poderia retroagir para agravar a pena que
lhe foi aplicada por fato cometido antes da modificação. A inelegibilidade,
porém, opera efeitos no âmbito
eleitoral no
sentido de impedir que determinado postulante possa disputar cargo eletivo por
determinado período de tempo tendo em vista a roupagem jurídica com que se
apresenta no momento do pedido de registro, de acordo com as exigências que o
estágio evolutivo da consciência ético-política da sociedade corporificou na
norma legal. Assim, embora diminua a capacidade eleitoral passiva do
interessado, a inelegibilidade não é considerada sanção ou pena, tanto é que
não tem dosimetria como a aplicação da pena por crime. Diversamente, é um juízo
de inadequação, graduada pelo legislador complementar mediante critérios
razoáveis e proporcionais, sendo que este elegeu alguns ilícitos eleitorais,
dentre os quais o praticado pelo apelante, considerados graves o suficiente
para ensejar sua incidência pelo prazo de oito anos, conforme previsto, especificamente
no presente caso, no art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, cuja
literalidade não
deixa dúvida para o intérprete: a inelegibilidade é vigente desde a eleição na
qual se praticou os abusos de poder econômico ou político, e perdura até as
eleições (não há especificação de data) que ocorrerem nos oito anos posteriores
(vale dizer, a inelegibilidade, no caso ora em apreço, expira apenas em
1º.01.2017). Em relação ao princípio da segurança jurídica, de igual modo, o
mesmo raciocínio acima é aplicado, já que o advento da LC n. 135/2010 modulou
os efeitos de ilícitos criminais, cíveis e eleitorais, considerados gravíssimos
pelo Congresso Nacional, e chancelada pelo STF, de forma a prorrogar por um
prazo minimamente razoável a inelegibilidade decretada pelo respectivo Poder
Judiciário, a qual, ademais, não é sanção, conforme antes demonstrado. Vale
destacar, ainda, algumas teses pontuais invocadas pelo pretenso candidato
recorrido, tais quais a impossibilidade de repristinação pelo fato de este já
ter restabelecido sua elegibilidade por força de antiga decisão do Juízo da
Zona Eleitoral de origem, o que não impede, na linha de raciocínio acima
empreendido, a incidência posterior do art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990
para alcançar o ora recorrido, uma vez que este praticou o abuso de poder
econômico
previsto naquele dispositivo legal de regência, o que enseja o
respectivo enquadramento
nos novos moldes, inclusive temporais, no tocante à inelegibilidade que lhe foi
aplicada. Frise-se que, quanto à distinção invocada pelo apelado entre as
inelegibilidades inatas e cominadas, especificamente pelo fato de esta última ter
caráter sancionatório, o que impediria a retroação do art. 1º, I, “d”,
da LC n. 64/1990, tem-se que, sendo uma ou outra, não desnaturam o instituto
jurídico da inelegibilidade, conforme acima assinalado, sendo ambas, num
sentido substancial do termo, diferentes da pena criminal em sentido estrito,
conforme acima visto.
As demais
alegações assinaladas pelo pretenso candidato
recorrido ostentam caráter eminentemente retóricos, em dissonância com
as linhas do julgamento do STF a respeito da constitucionalidade da LC n. 135/2010,
pelo que, sob tal ótica, reportamo-nos novamente àquele julgado da
Suprema Corte
brasileira relativo à ‘Lei da Ficha Limpa’ e sua atividade,
destacando-se o
seguinte trecho do voto do Relator:
Demais
disso, é sabido que o art. 5°, XXXVI, da Constituição
Federal
preserva o direito adquirido da incidência da lei nova. Mas
não
parece correto nem razoável afirmar que um indivíduo tenha o
direito
adquirido de candidatar-se, na medida em que, na lição de
GABBA (Teoria della
Retroattività delle Leggi. 3. edição. Torino:
Unione
Tipografico-Editore, 1981, v. 1, p. 1), é adquirido aquele
direito
"[...]
que é conseqüência de um fato idôneo a
produzi-lo
em virtude da lei vigente ao tempo que se
efetuou,
embora a ocasião de fazê-lo valer não se
tenha
apresentado antes da atuação da lei nova, e
que,
sob o império da lei vigente ao tempo em que se
deu
o fato, passou imediatamente a fazer parte do
patrimônio
de quem o adquiriu." (Tradução livre do
italiano)
Em
outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo
ao
regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo
eleitoral,
consubstanciada no não preenchimento de requisitos
"negativos"
(as inelegibilidades). Vale dizer, o indivíduo que tenciona
concorrer
a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral.
Portanto,
a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo
patrimônio
jurídico, antes se traduzindo numa relação ex lege
dinâmica.
É
essa característica continuativa do enquadramento do cidadão
na
legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela
validade
da extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente
previstos
em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos,
nos
casos em que os mesmos encontram-se em curso ou já se
encerraram.
Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso
em
que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com
as
hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar n°
64/90,
esses prazos poderão ser estendidos - se ainda em curso - ou
mesmo
restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex
nova,
desde que não ultrapassem esse prazo.
Explica-se:
trata-se, tão-somente, de imposição de um novo
requisito
negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo
eletivo,
que não se confunde com agravamento de pena ou com bis in
idem.
Observe- se, para tanto, que o legislador cuidou de distinguir
claramente
a inelegibilidade das condenações - assim é que, por
exemplo,
o art. 1°, I, "e", da Lei Complementar n° 64/90
expressamente
impõe a inelegibilidade para período posterior ao
cumprimento
da pena.
Tendo
em vista essa observação, haverá, em primeiro lugar, uma
questão
de isonomia a ser atendida:
não se vislumbra justificativa para
que
um indivíduo que já tenha sido condenado definitivamente (uma
vez
que a lei anterior não admitia inelegibilidade para condenações
ainda
recorríveis) cumpra período de inelegibilidade inferior ao de
outro
cuja condenação não transitou em julgado.
Em
segundo lugar, não se há de falar em alguma afronta à coisa
julgada
nessa extensão de prazo de inelegibilidade, nos casos em que a
mesma
é decorrente de condenação judicial. Afinal, ela não significa
interferência
no cumprimento de decisão judicial anterior: o Poder
Judiciário
fixou a penalidade, que terá sido cumprida antes do
momento
em que, unicamente por força de lei - como se dá nas
relações
jurídicas ex
lege -, tornou-se inelegível o indivíduo. A coisa
julgada
não terá sido violada ou desconstituída.
Demais
disso, tem-se, como antes exposto, uma relação jurídica
continuativa,
para a qual a coisa julgada opera sob a cláusula rebus
sic
stantibus. A edição da Lei Complementar n° 135/10 modificou o
panorama
normativo das inelegibilidades, de sorte que a sua
aplicação,
posterior às condenações, não desafiaria a autoridade da
coisa
julgada.
Portanto,
não havendo direito adquirido ou afronta à autoridade
da
coisa julgada, a garantia constitucional desborda do campo da
regra
do art. 5°, XXXVI, da Carta Magna para encontrar lastro no
princípio
da segurança jurídica, ora compreendido na sua vertente
subjetiva
de proteção das expectativas legítimas. Vale dizer, haverá, no
máximo,
a expectativa de direito à candidatura, cuja legitimidade há de
ser
objeto de particular enfrentamento. Para tanto, confira-se a
definição
de expectativas
legítimas por S0REN
SCH0NBERG (Legitimate
Expectations in Administrative Law. Oxford: Oxford
University Press,
2003,
p. 6):
[...]
Uma expectativa é razoável quando uma
pessoa
razoável, agindo com diligência, a teria em
circunstâncias
relevantes. Uma expectativa é legítima
quando
o sistema jurídico reconhece a sua
razoabilidade
e lhe atribui conseqüências jurídicas
processuais,
substantivas ou compensatórias.
(Tradução
livre do inglês)
Questiona-se,
então: é razoável
a expectativa de candidatura de
um
indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de
ser
negativa. Da exigência constitucional de moralidade para o
exercício
de mandatos eletivos (art. 14, § 9°) se há de inferir que uma
condenação
prolatada em segunda instância ou por um colegiado no
exercício
da competência de foro por prerrogativa de função, a
rejeição
de contas públicas, a perda de cargo público ou o
impedimento
do exercício de profissão por violação de dever éticoprofissional
excluirão
a razoabilidade da expectativa. A rigor, há de se
inverter
a avaliação: é razoável entender que um indivíduo que se
enquadre
em tais hipóteses qualificadas não esteja, a priori,
apto a
exercer
mandato eletivo.
Nessa
linha de raciocínio, é de se pontuar que, mesmo sob a
vigência
da redação original da Lei Complementar n.° 64/90, o
indivíduo
que, condenado em segunda instância ou por órgão
colegiado,
por exemplo, teria, ao menos, a perspectiva de,
confirmando-se
a decisão em instância definitiva ou transitando em
julgado
a decisão desfavorável, de, no futuro, tornar-se inelegível e,
caso
eleito, perder o mandato. Razoável, portanto, seria a expectativa
de
inelegibilidade
e não o contrário, o que permite distinguir a
questão
ora posta daquela examinada no RE 633.703 (Rel. Min.
GILMAR MENDES), em que havia
legítimas expectativas por força da
regra
contida no art. 16 da Constituição Federal, que tutelava, a um só
tempo,
o princípio da proteção da confiança e o princípio democrático.
Por tais razões,
o desprovimento do apelo é medida que se impõe, mantendo-se a sentença que
indeferiu o registro do pretenso candidato a Prefeito apelante, a qual primou
pela aplicação da norma eleitoral que visa a imprimir o triunfo da moralidade e
a lisura das candidaturas em um sentido lato, que doravante devem nortear os
respectivos registros de candidatos que ostentem “ficha limpa”, em
confronto com as disposições da LC n. 64/1990, o que não foi o caso no presente
feito. Quanto à aplicação do art. 26-C da LC n. 64/1990, requerida pelo
pretenso candidato apelado caso o recurso não fosse provido, no intuito de que seja
suspensa sua inelegibilidade, verifica-se que o pedido não restou caracterizada
a plausibilidade prevista no citado dispositivo legal de regência, conforme a
explanação acima lançada, pelo que tal pleito deve ser indeferido.
ANTE O EXPOSTO,
a Procuradoria Regional Eleitoral, por seu
agente signatário, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso,
indeferindo-se o pleito relativo à aplicação do art. 26-C da LC n. 64/1990, nos
termos acima consignados.
Florianópolis,
23 de agosto de 2012
Procurador
Regional Eleitoral
ANDRÉ
STEFANI BERTUOL
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