quinta-feira, 23 de agosto de 2012

23/08 - PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL – SC MANTÉM DECISÃO QUE INDEFERIU REGISTRO DE CANDIDATURA DE CLESIO SALVARO


RECURSO ELEITORAL N. 197-30.2012.6.24.0010 – Classe 30
ASSUNTO: RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE
CANDIDATURA – RRC – CANDIDATO –
IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE
CANDIDATURA – CARGO – PREFEITO –
MAJORITÁRIA – RECURSO NOS AUTOS DO
Rcand N. 197-30.2012.6.24.0010 DA 10ª ZONA
ELEITORAL – CRICIÚMA
RECORRENTE: CLÉSIO SALVARO
RECORRIDO: COLIGAÇÃO CRICIÚMA SAUDÁVEL, CIDADE
DE TODOS (PRB/PT/PTB/PMDB/PSL/PTN/DEM/
PC do B)

MM. Juiz Relator.

Trata-se de recurso interposto por Clésio Salvaro em face da sentença do Juízo da 10ª Zona/Criciúma que, nos autos do requerimento de registro de candidatura a Prefeito em epígrafe, acolheu a impugnação oferecida pela Coligação recorrida, indeferindo o registro em questão, uma vez que o
recorrente foi considerado inelegível, já que foi condenado pela prática de abuso de poder econômico pelo TRE/SC, decisão que já transitou em julgado, restando assim incurso no art. 1º, I, “d” da Lei Complementar – LC n. 64/1990. Irresignado, invocou decadência e impossibilidade de
repristinação, sustentando não ser aplicável , no caso concreto do pretenso
candidato apelado, a LC n. 135/2010, razão por que pugnou pelo provimento do recurso para que fosse deferido o respectivo registro de candidatura e, caso não provido, pela aplicação do art. 26-C da referida LC.
Em sede de contrarrazões, a Coligação apelada pugnou pelo
desprovimento do recurso.
Remetidos os autos a esse e. TRE e promovida a distribuição da relatoria, foi dada vista à Procuradoria Regional Eleitoral.
É o relatório. Passa-se à manifestação.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Quanto à decadência invocada pelo pretenso candidato recorrido, tem-se que este afirma que o Vice-Prefeito é litisconsorte necessário de seu registro, por integrar a respectiva chapa majoritária, sendo o fato de não ter
sido impugnado em conjunto com este implicaria decadência, tem-se que esta não comporta provimento.
Com efeito, diferentemente da ação de abuso de poder, em matéria de registro o Vice-Prefeito da chapa do pretenso candidato a Prefeito não
é litisconsorte passivo necessário, uma vez que a impugnação é relativa a fatos que ensejam a inelegibilidade apenas do apontado pretenso candidato a Prefeito ora recorrente, o que torna mesmo aquele candidato a Vice-Prefeito parte ilegítima para constar no pólo passivo da citada impugnação, em especial pelo caráter pessoal e em sentido estrito do instituto da inelegibilidade, a qual deve ser invocada, em sede de registro de candidatura, apenas em relação ao candidato impugnado, qual seja, o ora apelante. Isso possibilita, por exemplo, a recomposição da chapa com a substituição do candidato impugnado, na forma do art. 17 da LC n.64/90, sem prejuízo da manutenção do candidato que não apresenta deficiências de elegibilidade. De outro modo, seria estender automaticamente inelegibilidade a quem não a detém, contrariando a interpretação em sentido estrito dessa restrição de direitos políticos.
Bem por isso dispõe o art. 46 da Res. TSE n. 23.372/2011:

A declaração de inelegibilidade do candidato a Prefeito não atingirá o candidato a Vice-Prefeito, assim como a deste não atingirá aquele; reconhecida por sentença a inelegibilidade, e sobrevindo recurso, a validade dos votos atribuídos à chapa que esteja sub judice no dia da eleição fica condicionada ao deferimento do respectivo registro (LC nº64/90, art. 18).

Nesse sentido, de modo uníssono, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, consubstanciado no seguinte precedente:

Registro de candidatura. Impugnação. Rejeição de contas. Convênio.
1. Este Tribunal já assentou que, na fase do registro de candidatura, não há falar em litisconsórcio passivo necessário entre candidatos a Prefeito e vice-Prefeito.
2. A ratificação do recurso especial após o julgamento de embargos de declaração é desnecessária quando esses embargos forem opostos por parte diversa, ainda que figure no mesmo polo da relação processual.
3. A aplicação de verbas federais repassadas ao município em desacordo com o convênio configura irregularidade insanável.
4. Mesmo constatada eventual impossibilidade de cumprimento do objeto do convênio, cabe ao administrador público proceder à devolução dos recursos, e não efetuar a sua aplicação em objeto diverso.
Recursos especiais providos.

Assim, a decadência em questão deve ser afastada. Quanto aos demais aspectos propriamente ditos, deve ser assentado que o apelante pleiteia seu registro como candidato a Prefeito em Criciúma pela Coligação ‘Por Amor a Cricúma’ (PP/PSDB). Ocorre que o respectivo registro de candidatura foi
impugnado pela Coligação apelada em decorrência do enquadramento do
apelante no art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, o que foi acatado pelo Juízo Eleitoral, julgando-se indeferido o registro em apreço. Com efeito, dispõe o dispositivo legal de regência (grifou-se):

Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: [...]
d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada
procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de
apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição
na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as
que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

No caso do pretenso candidato a Prefeito apelante, este foi condenado por esta Corte Regional Eleitoral em decorrência de ter praticado abuso de poder econômico e de autoridade nas eleições municipais de 2008, nos
seguintes termos:

ELEIÇÕES 2008 - RECURSO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - ABUSO DO PODER ECONÔMICO E DE AUTORIDADE - USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - PEDIDO DE DESISTÊNCIA - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - INDEFERIMENTO - PEDIDO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS - POSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA DE POTENCIALIDADE -
 Recurso Especial Eleitoral – RESPE n. 36974 – TSE, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares,
publicado no Diário de Justiça Eletrônico de 6.08.2010, p. 51 – grifou-se.

ABRANGÊNCIA E INTENSIDADE DO ILÍCITO -
DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE IMPOSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA EM FACE DA OCORRÊNCIA DAS ELEIÇÕES - PROVIMENTO
PARCIAL.
1. É inadmissível a desistência quando a matéria tratada for de ordem pública, podendo o Ministério Público, a despeito do pedido de desistência da recorrente, requerer o prosseguimento do feito, com a análise do mérito. Precedentes.
2. Defere-se, após ouvida a parte ex adversa, a juntada de documento
novo, proveniente de fato ocorrido após a sentença, cujo conteúdo complementa o quadro probatório sobre matéria já discutida.
3. "Em sede de ação de investigação judicial eleitoral não é
necessário atribuir ao réu a prática de uma conduta ilegal, sendo suficiente, para a procedência da ação, o mero benefício eleitoral angariado com o ato abusivo, assim como a demonstração da provável influência do ilícito no resultado do pleito" (Precedente: TSE. Ac. n. 1.350, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 20.4.2007). Nesse sentido, provas materiais que demonstram de forma inequívoca a utilização indevida de meios de comunicação social e abuso de poder econômico, consistente num conjunto de atividades orientadas à captação de votos, com o intuito de privilegiar candidatura futura e desequilibrar as eleições, sujeitam o infrator às sanções próprias. 4. Proclamados os resultados das eleições e diplomados os candidatos recorridos, cabível a declaração de inelegibilidade ao infrator.

O acórdão acima transcrito transitou em julgado em 7.04.2009, conforme consta no Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos – SADP desta Corte Regional Eleitoral. Assim, verifica-se que o pretenso candidato a Prefeito apelante foi condenado por abuso de poder econômico efetuado no pleito municipal de 2008, pelo que restou incurso na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, a qual perdura “para a eleição na qual” concorreu (no caso, 2004), e para as (eleições) que “se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”
(vale dizer, todas as eleições que se realizarem desde 2009 até 2016, inclusive a eleição municipal vindoura e até o próximo pleito após esta), conforme muito bem decidiu o respectivo Juízo Eleitoral.
Definido o fato e o enquadramento que ensejaram a inelegibilidade do apelante, impõe-se seja esclarecido que o Supremo Tribunal Federal – STF já decidiu que a LC n. 135/2010, denominada ‘Lei da Ficha Limpa’, que instituiu novas hipóteses de inelegibilidades na LC n. 64/1990 (dentre
estas a acima assinalada, na qual foi enquadrado o recorrente) é constitucional, nos
seguintes termos:

EMENTA: CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO
REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA
EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE.
 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À
REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o
exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que
reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição
Federal.
4. (...).
5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da
 
proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não superam os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido múnus publico. 7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias
aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, §
9.º, da Constituição Federal.
10. (...).
11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de
concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.
12. (...).
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga
improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”,  “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

Estabelecidas as premissas alinhavadas pelo STF sobre a questão ora sob julgamento, transcreve-se, a propósito e especificamente, o seguinte precedente desta Corte Regional Eleitoral no mesmo sentido:

RECURSO ELEITORAL - RESTABELECIMENTO DE
DIREITOS POLÍTICOS - CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO - CRIME CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CP, ART. 312) -
INELEGIBILIDADE (LEI COMPLEMENTAR N. 64/90, ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA "E") - PEDIDO DE REABILITAÇÃO CRIMINAL - IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE INELEGIBILIDADE - LEI COMPLEMENTAR N. 135/2010 - CONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - DECISÃO MANTIDA - DESPROVIMENTO.

Dito isso, passa-se à análise do recurso propriamente dito. Vejamos. O pretenso candidato a Prefeito recorrente afirma não ser possível a repristinação, uma vez que sobreveio decisão do respectivo Juízo da Zona Eleitoral de origem restabelecendo sua elegibilidade, ante o transcurso do
prazo de três anos de inelegibilidade, anteriormente previsto na legislação
eleitoral de regência, que lhe foi aplicado em decorrência do abuso de poder econômico por este praticado nas eleições municipais de 2008; após, afirma que a LC n. 135/2010, apesar de ter sido julgada constitucional pelo STF, conforme acima visto, não pode ser aplicada em face do caso concreto ora sob julgamento, citando precedentes das Cortes Superiores para amparar sua tese, que se amparam, inclusive, no princípio da irretroatividade; pontualmente, faz distinção entre inelegibilidade inata e cominada, invocando os princípios da coisa julgada, direito adquirido e segurança jurídica, além de alegar colidência com os princípios das cláusulas pétreas e da tipicidade, e afirmar que os efeitos da inelegibilidade prevista nos termos do art. 22 da LC n. 64/1990 são previstos para o futuro, pelo que não poderiam, por tal fundamento, retroagirem para casos passados. Em face de tais alegações, em primeiro lugar, cabe esclarecer que o princípio da irretroatividade da norma penal, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição da República, além do princípio da segurança jurídica, os
quais foram mencionados pelo pretenso candidato recorrido para afirmar que não poderia sofrer restrição de seus direitos por fato que, à época, lhe definiu três anos de inelegibilidade, não merecem prosperar. Com efeito, o princípio da irretroatividade em questão é aplicado no âmbito penal em sentido estrito; vale dizer: eventual aumento das sanções relativas ao crime praticado pelo pretenso candidato apelante, por exemplo, não poderia retroagir para agravar a pena que lhe foi aplicada por fato cometido antes da modificação. A inelegibilidade, porém, opera efeitos no âmbito
eleitoral no sentido de impedir que determinado postulante possa disputar cargo eletivo por determinado período de tempo tendo em vista a roupagem jurídica com que se apresenta no momento do pedido de registro, de acordo com as exigências que o estágio evolutivo da consciência ético-política da sociedade corporificou na norma legal. Assim, embora diminua a capacidade eleitoral passiva do interessado, a inelegibilidade não é considerada sanção ou pena, tanto é que não tem dosimetria como a aplicação da pena por crime. Diversamente, é um juízo de inadequação, graduada pelo legislador complementar mediante critérios razoáveis e proporcionais, sendo que este elegeu alguns ilícitos eleitorais, dentre os quais o praticado pelo apelante, considerados graves o suficiente para ensejar sua incidência pelo prazo de oito anos, conforme previsto, especificamente no presente caso, no art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, cuja
literalidade não deixa dúvida para o intérprete: a inelegibilidade é vigente desde a eleição na qual se praticou os abusos de poder econômico ou político, e perdura até as eleições (não há especificação de data) que ocorrerem nos oito anos posteriores (vale dizer, a inelegibilidade, no caso ora em apreço, expira apenas em 1º.01.2017). Em relação ao princípio da segurança jurídica, de igual modo, o mesmo raciocínio acima é aplicado, já que o advento da LC n. 135/2010 modulou os efeitos de ilícitos criminais, cíveis e eleitorais, considerados gravíssimos pelo Congresso Nacional, e chancelada pelo STF, de forma a prorrogar por um prazo minimamente razoável a inelegibilidade decretada pelo respectivo Poder Judiciário, a qual, ademais, não é sanção, conforme antes demonstrado. Vale destacar, ainda, algumas teses pontuais invocadas pelo pretenso candidato recorrido, tais quais a impossibilidade de repristinação pelo fato de este já ter restabelecido sua elegibilidade por força de antiga decisão do Juízo da Zona Eleitoral de origem, o que não impede, na linha de raciocínio acima empreendido, a incidência posterior do art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990 para alcançar o ora recorrido, uma vez que este praticou o abuso de poder
econômico previsto naquele dispositivo legal de regência, o que enseja o
respectivo enquadramento nos novos moldes, inclusive temporais, no  tocante à inelegibilidade que lhe foi aplicada. Frise-se que, quanto à distinção invocada pelo apelado entre as inelegibilidades inatas e cominadas, especificamente pelo fato de esta última ter caráter sancionatório, o que impediria a retroação do art. 1º, I, “d”, da LC n. 64/1990, tem-se que, sendo uma ou outra, não desnaturam o instituto jurídico da inelegibilidade, conforme acima assinalado, sendo ambas, num sentido substancial do termo, diferentes da pena criminal em sentido estrito, conforme acima visto.
As demais alegações assinaladas pelo pretenso candidato  recorrido ostentam caráter eminentemente retóricos, em dissonância com as linhas do julgamento do STF a respeito da constitucionalidade da LC n. 135/2010, pelo que, sob tal ótica, reportamo-nos novamente àquele julgado da
Suprema Corte brasileira relativo à ‘Lei da Ficha Limpa’ e sua atividade,
destacando-se o seguinte trecho do voto do Relator:

Demais disso, é sabido que o art. 5°, XXXVI, da Constituição
Federal preserva o direito adquirido da incidência da lei nova. Mas
não parece correto nem razoável afirmar que um indivíduo tenha o
direito adquirido de candidatar-se, na medida em que, na lição de
GABBA (Teoria della Retroattività delle Leggi. 3. edição. Torino:
Unione Tipografico-Editore, 1981, v. 1, p. 1), é adquirido aquele
direito
"[...] que é conseqüência de um fato idôneo a
produzi-lo em virtude da lei vigente ao tempo que se
efetuou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se
tenha apresentado antes da atuação da lei nova, e
que, sob o império da lei vigente ao tempo em que se
deu o fato, passou imediatamente a fazer parte do
patrimônio de quem o adquiriu." (Tradução livre do
italiano)
Em outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo
ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo
eleitoral, consubstanciada no não preenchimento de requisitos
"negativos" (as inelegibilidades). Vale dizer, o indivíduo que tenciona
concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral.
Portanto, a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo
patrimônio jurídico, antes se traduzindo numa relação ex lege
dinâmica.
É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão
na legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela
validade da extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente
previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos,
nos casos em que os mesmos encontram-se em curso ou já se
encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso
em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com
as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar n°
64/90, esses prazos poderão ser estendidos - se ainda em curso - ou
mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex
nova, desde que não ultrapassem esse prazo.
Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo
requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo
eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com bis in
idem. Observe- se, para tanto, que o legislador cuidou de distinguir
claramente a inelegibilidade das condenações - assim é que, por
exemplo, o art. 1°, I, "e", da Lei Complementar n° 64/90
expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior ao
cumprimento da pena.
Tendo em vista essa observação, haverá, em primeiro lugar, uma
questão de isonomia a ser atendida: não se vislumbra justificativa para
que um indivíduo que já tenha sido condenado definitivamente (uma
vez que a lei anterior não admitia inelegibilidade para condenações
ainda recorríveis) cumpra período de inelegibilidade inferior ao de
outro cuja condenação não transitou em julgado.
Em segundo lugar, não se há de falar em alguma afronta à coisa
julgada nessa extensão de prazo de inelegibilidade, nos casos em que a
mesma é decorrente de condenação judicial. Afinal, ela não significa
interferência no cumprimento de decisão judicial anterior: o Poder
Judiciário fixou a penalidade, que terá sido cumprida antes do
momento em que, unicamente por força de lei - como se dá nas
relações jurídicas ex lege -, tornou-se inelegível o indivíduo. A coisa
julgada não terá sido violada ou desconstituída.
Demais disso, tem-se, como antes exposto, uma relação jurídica
continuativa, para a qual a coisa julgada opera sob a cláusula rebus
sic stantibus. A edição da Lei Complementar n° 135/10 modificou o
panorama normativo das inelegibilidades, de sorte que a sua
aplicação, posterior às condenações, não desafiaria a autoridade da
coisa julgada.
Portanto, não havendo direito adquirido ou afronta à autoridade
da coisa julgada, a garantia constitucional desborda do campo da
regra do art. 5°, XXXVI, da Carta Magna para encontrar lastro no
princípio da segurança jurídica, ora compreendido na sua vertente
subjetiva de proteção das expectativas legítimas. Vale dizer, haverá, no
máximo, a expectativa de direito à candidatura, cuja legitimidade há de
ser objeto de particular enfrentamento. Para tanto, confira-se a
definição de expectativas legítimas por S0REN SCH0NBERG (Legitimate
Expectations in Administrative Law. Oxford: Oxford University Press,
2003, p. 6):
[...] Uma expectativa é razoável quando uma
pessoa razoável, agindo com diligência, a teria em
circunstâncias relevantes. Uma expectativa é legítima
quando o sistema jurídico reconhece a sua
razoabilidade e lhe atribui conseqüências jurídicas
processuais, substantivas ou compensatórias.
(Tradução livre do inglês)
Questiona-se, então: é razoável a expectativa de candidatura de
um indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de
ser negativa. Da exigência constitucional de moralidade para o
exercício de mandatos eletivos (art. 14, § 9°) se há de inferir que uma
condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no
exercício da competência de foro por prerrogativa de função, a
rejeição de contas públicas, a perda de cargo público ou o
impedimento do exercício de profissão por violação de dever éticoprofissional
excluirão a razoabilidade da expectativa. A rigor, há de se
inverter a avaliação: é razoável entender que um indivíduo que se
enquadre em tais hipóteses qualificadas não esteja, a priori, apto a
exercer mandato eletivo.
Nessa linha de raciocínio, é de se pontuar que, mesmo sob a
vigência da redação original da Lei Complementar n.° 64/90, o
indivíduo que, condenado em segunda instância ou por órgão
colegiado, por exemplo, teria, ao menos, a perspectiva de,
confirmando-se a decisão em instância definitiva ou transitando em
julgado a decisão desfavorável, de, no futuro, tornar-se inelegível e,
caso eleito, perder o mandato. Razoável, portanto, seria a expectativa
de inelegibilidade e não o contrário, o que permite distinguir a
questão ora posta daquela examinada no RE 633.703 (Rel. Min.
GILMAR MENDES), em que havia legítimas expectativas por força da
regra contida no art. 16 da Constituição Federal, que tutelava, a um só
tempo, o princípio da proteção da confiança e o princípio democrático.

Por tais razões, o desprovimento do apelo é medida que se impõe, mantendo-se a sentença que indeferiu o registro do pretenso candidato a Prefeito apelante, a qual primou pela aplicação da norma eleitoral que visa a imprimir o triunfo da moralidade e a lisura das candidaturas em um sentido lato, que doravante devem nortear os respectivos registros de candidatos que ostentem “ficha limpa”, em confronto com as disposições da LC n. 64/1990, o que não foi o caso no presente feito. Quanto à aplicação do art. 26-C da LC n. 64/1990, requerida pelo pretenso candidato apelado caso o recurso não fosse provido, no intuito de que seja suspensa sua inelegibilidade, verifica-se que o pedido não restou caracterizada a plausibilidade prevista no citado dispositivo legal de regência, conforme a explanação acima lançada, pelo que tal pleito deve ser indeferido.

ANTE O EXPOSTO, a Procuradoria Regional Eleitoral, por  seu agente signatário, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso, indeferindo-se o pleito relativo à aplicação do art. 26-C da LC n. 64/1990, nos termos acima consignados.

Florianópolis, 23 de agosto de 2012
Procurador Regional Eleitoral


ANDRÉ STEFANI BERTUOL

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